Brincadeiras são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, social e pessoal do indivíduo, e não podem ficar de fora da educação, especialmente na infância
Por Christiane Bueno
15/10/2012
Ver uma criança brincando é uma delícia. Ela dá vida a uma tampinha de garrafa, transforma uma caixa em uma casa, conversa com bonecas, luta com rolos de papelão. E, enquanto se diverte, também aprende e se desenvolve. Brincar contribui para o desenvolvimento físico, afetivo, intelectual e social da criança. Por meio das atividades lúdicas, ela forma conceitos, relaciona ideias, estabelece relações lógicas, desenvolve a expressão oral e corporal, reforça habilidades sociais, reduz a agressividade, integra-se na sociedade e constrói seu próprio conhecimento. Brincar é tão importante que é um direito de todas as crianças do mundo, garantido no Princípio VII da Declaração Universal dos Direitos da Criança do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
As brincadeiras são o caminho que conduz as crianças à descoberta do
mundo. "O brincar acontece desde o nascimento, na relação do bebê com os
pais, com seu corpo, com os objetos e com o outro", aponta Rosimeire
Mattos Soares Silva, pedagoga e diretora de escola de educação infantil.
Brincando, os bebês descobrem como as coisas funcionam no mundo e assim
começam a se relacionar com elas. O próprio corpo constitui-se no
primeiro brinquedo da criança: através dele, ela começa a conhecer,
compreender, comparar, analisar e refletir sua relação com tudo o que a
cerca.
Brincando e aprendendo
O brincar tem sido objeto de várias pesquisas no campo da educação,
que se iniciaram por volta da década de 1930 com os estudos de Lev
Vygotsky e foram aprofundados por Jean Piaget em meados de 1950. A
partir desses autores, as atividades lúdicas começaram a ser vistas não
apenas como uma distração, e passaram a ser frequentemente defendidas
como promotoras do desenvolvimento afetivo, da convivência social e de
operações mentais. "Toda e qualquer brincadeira contribui com a
educação. Quando se brinca, brinca-se com alguém ou com alguma coisa, e
essa interação entre sujeitos e com objetos é muito importante para o
desenvolvimento da criança", explica Mônica Caldas Ehrenberg, professora
do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Usp).
Dessa forma, as brincadeiras devem ser exploradas ao máximo pelas
escolas - especialmente as de educação infantil. "É na fase pré-escolar
que toda a formação do ser humano é fundamentada. O brincar tem um papel
muito importante para essa formação, pois trabalha o imaginário,
desenvolve o conhecimento de si e do outro, favorece a troca
e desenvolve o lado social", diz Silva. Além disso, pode ajudar a
ensinar formas, cores, raciocínio lógico-matemático, linguagem e
ciências, de maneira lúdica e atraente para as crianças.
No entanto, um número ainda muito grande de instituições educacionais
adota formas de educação pautadas na cópia e na repetição, e em
práticas que não fazem sentido para as crianças. "Educar não se limita a
repassar informações ou mostrar apenas um caminho. Educar é ajudar a
pessoa a tomar consciência de si mesma, dos outros e da sociedade,
aceitando-se e aceitando os outros. É oferecer várias ferramentas para
que a pessoa possa escolher entre muitos caminhos", afirma Marcos
Teodorico Pinheiro de Almeida, professor do Instituto de Educação Física
e Esportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), coordenador do
Laboratório de Brinquedos e Jogos (Labrinjo) e autor de vários livros
sobre o brincar e o lúdico.
As atividades lúdicas não têm limite de idade, e podem ser exploradas
para além da pré-escola. De acordo com Jonathas de Paula Chaguri,
professor da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de
Paranavaí (Fafipa), "as brincadeiras ajudam a criar entusiasmo sobre o
conteúdo a ser ensinado, O professor torna-se mediador do conhecimento,
propiciando ao educando um espaço para criar e experimentar suas
habilidades sem se desligar do mundo real".
Brinquedos educativos
Assim como as brincadeiras, os brinquedos também podem ser
instrumentos muito úteis na hora de ensinar. Alguns brinquedos são
indicados para trabalhar a coordenação motora grossa, como corda, bola e
bambolê. Outros trabalham o raciocínio lógico, como blocos, peças de
encaixe e quebra-cabeças. Outros ainda desenvolvem a fantasia e a
imaginação, como bonecas e fantoches.
Hoje em dia há uma vasta oferta de brinquedos e jogos educativos que
podem colaborar bastante com as atividades lúdicas dentro e fora da sala
de aula. Na verdade, qualquer brinquedo pode ser utilizado no processo
educativo. "O que faz o brincar ter um conteúdo educativo inovador é sua
flexibilidade e suas possibilidades na ação lúdica. Qualquer material
pode se transformar em um jogo ou brinquedo com o qual podemos
aprender", diz Almeida.
Muitos educadores defendem o uso de brinquedos não estruturados (como
caixas, blocos de madeira ou botões) na educação infantil. Por não
possuírem "estrutura de brinquedo", a criança pode transformá-los no que
quiser. "A criança, por si só, tem a ludicidade e a imaginação bastante
afloradas. Para uma criança, um carretel de linha pode fazer o papel de
um carrinho, ou ainda se tornar a mamadeira de uma boneca", explica
Ehrenberg. Por isso também que alguns educadores colocam ressalvas no
uso de jogos e brinquedos eletrônicos do tipo "faz-tudo-sozinho": esses
brinquedos com objetivos fixos, preestabelecidos, acabariam limitando o
poder expressivo e imaginativo da criança.
Faz de conta
Entre as brincadeiras, o faz de conta merece destaque especial. Isso
porque a brincadeira é na realidade uma atividade psicológica de grande
complexidade. No faz de conta, a criança cria e experimenta papéis,
compartilhando com outras crianças, experimentando outras formas de ser e
de pensar. Dessa maneira, ela enriquece sua personalidade e adquire uma
melhor compreensão de si própria e do outro. Além disso, nessas
brincadeiras, a criança inventa situações que permitem entrar em contato
com medos, conflitos e ansiedades. Assim, descobre meios de lidar com
suas emoções e até de resolver problemas e conflitos. Além disso, o faz
de conta ajuda a desenvolver a linguagem e a narrativa, assim como a
imaginação e a criatividade. "Com a imaginação, a criança traz para
perto de si uma situação vivida e a adapta à sua realidade e necessidade
emocional. Ela experimenta situações diversas, e se torna mais hábil a
lidar com novas situações. Brincando, a criança pode realizar atividades
próprias do mundo adulto, o que facilitará seu ingresso nesse mundo
futuramente", afirma Almeida.
Seguindo as regras
Os jogos de regras (que têm normas preestabelecidas e visam a um
objetivo),são importantes na educação infantil. Eles exigem raciocínio,
estratégia, antecipação de um resultado, comunicação, negociação, espaço
físico, limites, tempo e motivação. A criança, durante sua ação lúdica,
percebe que, para atingir suas metas, precisa usar estratégias e
raciocinar.
Além disso, jogos com regras contribuem para o desenvolvimento
pessoal da criança, já que ensinam a respeitar restrições, adequar-se a
limites, cooperar, competir e lidar com diferenças e com frustrações
(como perder o jogo, por exemplo). "É na percepção do outro que a
criança começa a criar e respeitar as regras. Conviver com outra pessoa
exige que se respeitem limites. O limite imposto pelo outro", aponta
Almeida. "Percebemos que, quando a criança se mostra capaz de respeitar
as regras dos jogos, seu relacionamento com outras crianças, e mesmo
com os adultos, melhora", relata.
Brincadeira levada a sério
Para utilizar as brincadeiras com o intuito de educar é preciso
estudo e planejamento por parte da escola e do professor. "Cabe ao
professor fazer adequações e modificações no que se pretende ensinar. Ao
propor uma brincadeira ou jogo de caráter pedagógico, o professor
deverá analisar as possibilidades de utilização em sala de aula e também
adotar critérios para analisar o valor educacional das atividades que
deseja trabalhar", aponta Chaguri.
Nesses casos, os adultos (professores, educadores, monitores e até os
pais) podem participar das brincadeiras, observando, mediando ou até
brincando junto. Isso fortalece o vínculo e a afetividade com as
crianças e enriquece o trabalho. "A presença de um adulto em determinado
momento é importante, pois dá a noção das regras, transmite segurança e
promove o contato físico, importantes para o emocional da criança",
afirma Silva.
Mas há momentos em que o melhor é não interferir e deixar as crianças
criarem as regras do jogo. "A interação, em algumas situações lúdicas,
pode ser prejudicial e até mesmo estragar a brincadeira. Por isso é
importante que professor, antes de colocar em prática qualquer proposta
lúdica, organize-se e trace um plano de ação", explica Chaguri.No
entanto, nem toda brincadeira deve ser utilizada com o objetivo de
educar. "Muitas vezes os professores se preocupam demasiadamente com a
função pedagógica da brincadeira, aproximando-as de uma lógica
produtivista e acabam por limitar as possibilidades comunicativas, o
prazer, as trocas que a brincadeira permite", ressalta Ehrenberg. Por
isso, o principal foco das escolas de educação infantil deve ser,
simplesmente, permitir que a criança brinque. Isso, por si só, vai
colaborar para seu desenvolvimento cognitivo, pessoal e social.
Extraído de
pré-Univesp – Número 25 – Aprendizagem lúdica – Outubro de 2012